quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Guardião

CAPÍTULO V – MORTE EM VIDA
A luz volta aos meus olhos. Vejo-me deitado em uma grande mesa, semelhante aquelas que usam em matadouros e açougues. O lugar onde ela se encontra é escuro, úmido, frio e bolorento. Uma camada de pó recobre todos os móveis que estão espalhados pela sala. Móveis carcomidos e muito antigos.
Sinto medo. Tento me levantar, mas meu corpo não tem força. Sem entender como fui parar ali, tento recordar os fatos passados. Então me lembro...
Da criatura. A luta. A felicidade. E do tiro em meu peito. Olho para ele receoso e um terror absoluto me invade. Há um enorme buraco lá, meus órgãos internos estão completamente destroçados, sangue coagulado se espalha por minhas vestes e pele.
Apavorado começo a gritar, mas apenas um som gorgolejante e rouco se faz.
Uma porta se abre à distância, e sons de passos ficam cada vez mais próximos. A porta da sala se abre com força, uma figura velha e diminuta entra, meu avô. Logo atrás dele se encontra uma pessoa que não conheço. Uma jovem, de olhos grandes, extremamente sedutores, de pele branca, cabelos negros, curtos e brilhantes, suas vestes são exóticas, se parecem com a de uma boneca vitoriana. Vi algumas meninas usando roupas semelhantes em um evento de anime. Vários pingentes e correntes cobrem seus braços, no pescoço um pingente em forma de dragão brilha de forma sinistra. Meu avô olha para a jovem e vocifera:
- Viu estúpida?! Por causa do seu atraso tive que estragar o corpo de meu neto e ele já não era lá grande coisa. Esse gordo de merda!
Meu avô me golpeia na cabeça, estranhamente não sinto nada.
A moça se aproxima de mim, me olha profundamente nos olhos, sinto que está olhando dentro de minha cabeça, olhando em minha alma. Ela segura minha bochecha, fazendo com que a boca se abra. Ela coloca seus dedos em minha boca como se estivesse tentando retirar algo, nesse mesmo momento começa a entoar uma espécie de cântico, sua voz é profunda, melodiosa, uma mistura entre doce e cruel. Sinto-me encantado:
-E “Deus” soprou a vida no barro, assim diz o livro do Falso...
Meu avô com uma voz límpida, que parece não ser sua responde:
-Pois o Falso agora reina sobre as ovelhas cegas...
A voz da jovem se altera, agora parece bestial, como se uma besta selvagem fosse capaz de falar:
-Diante de tal ofensa, lhe pedimos, Bode com Mil Infantes, que por covardia, foi legado às trevas do coração das vis ovelhas cegas, pelo ardil do Falso! Dá-me o poder de dominar o teu sopro! Permita que domine e guarde a sombra deste teu novo servo!...
Os olhos da jovem mudam de cor, ela sorri de forma louca, sangue escorre de seus lábios, seus dentes parecem presas. Uma forte dor domina meu corpo, minha cabeça parece prestes a explodir. Tento me mover, gritar, mas meu corpo não responde. Vendo meu esforço vão, a jovem gargalha insandecidamente. Baba e sangue espumante escorrem de sua boca. A atmosfera do lugar parece se tornar tangível, o ambiente toma a textura de uma grande massa de água, tudo fica turvo. Pequenos objetos parecem flutuar. Como se imersos, os cabelos da jovem parecem que tomam vida serpenteando:
-Dá-me tua sombra, Guardião da Cova do Falso!...
Ela retira a mão de minha boca, algo como uma diminuta sombra, está presa entre seus dedos. A sombra grita loucamente, sua voz clama por mim. Horror, puro horror, a cena toda me leva à beira do abismo. Sinto que enlouqueço.
A sombra é aproximada do pingente em forma de dragão, ele toma vida e ataca a sombra. O dragão a devora enquanto a sombra grita por mim, como uma criança gritaria por ajuda de seus pais. Choro, pelo menos acho que estou chorando, mas não sinto as lágrimas. A sala toma seu antigo aspecto, tudo fica silencioso. Ouço meu avô rindo, um riso de satisfação.
A jovem limpa sua face com um lenço magnificamente delicado e cheio de padrões complexos de renda. Ao terminar ela o esconde em sua manga esquerda, seu rosto se aproxima do meu, quase o tocando, seus olhos fitam novamente os meus de maneira profunda, então ela diz:
-Meu nome é Cassandra. E agora my sweetye... Tu és meu.
Ela me beija de forma lasciva e demorada.
Uma enorme tristeza me invade.

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