quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Guardião

CAPÍTULO VI – GRILHÕES
Meu avô se aproxima da mesa, ele puxa Cassandra de perto de mim vociferando:
- Pare com isso sua puta! Temos muito que fazer para domar esse porra... O corpo deve ser remendado e preparado para que ele entre na Cova do Falso... A data está próxima...
Contrariada, Cassandra responde cheia de sarcasmo:
- Ora vovô, mas que mau você é... Não entende que estava com saudades do maninho?... Ele é tão atraente e robusto... Não me contive...
Fico espantado com a fala, meu avô com seu sorriso mau, me olha nos olhos:
- Tu não te lembras muito de tua infância, não é? Pois não foi o único que saiu da ilha para o continente rapaz... Tua irmã também não ficou aqui por longo tempo... Mas ela, ao contrário de você, esteve sob minha constante tutela. Ou acha que se tornou essa linda feiticeira por si só? Heim, seu bosta?
O velho continua sorrindo, sinto nojo dele. Maldito velho. Estou confuso e com medo. Toda a situação é bizarra demais. Parece tirada de um filme de horror gótico. Tento gritar, mas novamente, apenas um gorgolejo abafado se faz. Cassandra mais uma vez se aproxima, sinto medo e repulsa dela, tento me mover, mas nada acontece. Ela nota minha reação, com um sorriso malicioso, coloca sua boca rente a meu ouvido. Com uma voz, doce, mas incrivelmente lasciva, me diz:
- Não faça assim maninho, não está vendo que me magoa?... Adoro homens fortes e grandes, os sem vida são os que mais me atraem... Eu estava com tantas saudades de você, que não me contive... Além do mais, não importa se gostas ou não... Tu és meu agora... E farás tudo que eu quiser... Inclusive me satisfazer...
Com uma lambida em meu ouvido, que parece queimar minha carne, ela se afasta. A figura diminuta, segura o braço da moça, e a estapeia:
- Pare com tua putaria, sua vaca! Depois que pusermos o selo nele, pode fazer o que quiser com esse bosta. Sua necrófila de merda.
Cassandra responde que sim, apenas com um gesto de cabeça e sai da sala, o velho a segue. Ouço uma porta se abrindo ao longe. Longos minutos se passam até que o som se faz por uma vez mais e a estranha dupla entra.
Cassandra carrega vários embrulhos, o velho, traz um balde amassado, comido de ferrugem cheio de um líquido viscoso, semelhante a sangue, só que negro, como a mais terrível noite. Os pacotes são deixados sobre uma velha estante, o balde é posto sobre a mesa. A moça pega um avental carcomido em uma gaveta e o veste, o velho segue o exemplo e ao fim da operação se aproxima da mesa.
Os pacotes são abertos, e deles saem, agulhas, linhas, papeis antigos, potes cheios de vários líquidos coloridos e várias peças de metal. Uma faca se apresenta na mão do idoso. Sua mão entra em meu peito, tirando os órgãos destruídos, que são jogados ao chão. Entre os dentes, meu avô vocifera:
- Merda! Se esse cagão não tivesse provado a carne de uma Cria do Falso, seria muito mais fácil e limpo. Só iríamos precisar degolar esse porco gordo.
Mesmo ao ouvir os planos do velho, eu não esboço reação, nada importa. Tudo é muito louco e doentio para mim. A demência se insinua em minha vontade. Começo a sorrir.
A jovem percebe meu sorriso doentio e cutuca o velho. Ele estuda minha face por segundos e diz:
- Não meu netinho. Não vá cair no abismo. Logo irá entender seu papel nas coisas do mundo. E verás teu real valor. Seu gordinho fofinho de merda.
Os dois riem de mim. Sinto ódio dos dois. Tenho vontade de destruir seus corpos, me banquetear de suas carnes. Minha boca se move compulsivamente, em um movimento de morder. A dupla que ria, muda sua atitude jocosa, agora parecem sentir medo. Seus olhos se arregalam e os dois se entreolham. Isso me deixa feliz, muito feliz, mordo com mais força o ar. O velho coloca sua mão dentro do balde e puxa uma coisa parecida com um coração. Um coração negro, não humano é colocado dentro de mim, ao mesmo tempo, Cassandra, com uma agulha delicada, portadora de linha quase invisível, tal qual teia de aranha, costura-o no lugar do antigo. Outros órgãos são retirados do balde, mas não consigo perceber o que são. O mesmo processo de costura é feito para cada “órgão novo”. Quando todo o conteúdo se extingue. A jovem fala ao velho, sua voz é baixa, quase como um sussurro:
- Ele está começando a se tornar um ghoull, melhor colocarmos logo o selo.
O velho responde por entre os dentes:
- Vá a merda sua puta! Ensine ao Padre a rezar. Sei como anda a situação. Se colocarmos o selo agora com o corpo dele todo fudido, só vamos perder tempo e isso não nos sobra.
Uma agulha grossa é tomada pelo velho, que costura meu corpo com um fio brilhante, parece metálico, ele queima minha carne. Sinto o cheiro. Um cheiro doce e acre. Semelhante a carne de porco selvagem.
Ao terminar, Cassandra toma o lugar de meu avô, e usando os líquidos dos numerosos frascos, massageia a ferida recém fechada, sussurrando uma espécie de canção que não entendo.
Ao final do processo, os dois novamente saem da sala, mas dessa vez seus passos são mais rápidos e o tempo que demoram para voltar é muito menor.
Quando retornam, uma espécie de capacete de ferro é trazida pelo velho. Cassandra, pega os papéis e as peças que já estavam na sala e os espalham por sobre a mesa. Meu avô se aproxima e coloca o capacete de metal em mim. Sua voz se torna ainda mais sinistra ao dizer:
- Comece! Agora está quase tudo pronto para que ele entre na Cova.
Um pedaço de papel é colocado sobre meu peito. Nele, símbolos que só consigo associar a feitiçaria ou arqueologia. Penso já ter os visto em algum livro ou filme. Cassandra começa a cantar, sua voz é baixa e cadenciada. O velho se coloca em um canto da sala e lá fica entoando a mesma canção.
Após alguns minutos de cântico, o ar fica frio, pelo me parece que dessa forma, já que a respiração da dupla se mostra em pequenas nuvens que fogem de suas bocas e narizes. Uma luz fraca se faz no centro do papel, como uma chama. Ela é azul e parece dançar ao som da canção. Quando a chama está bem nítida, a canção para. A garota toma em suas mãos um pedaço de metal e o coloca sobre a chama, a peça rapidamente se aquece, mas não parece queimar Cassandra. Quando a peça está vermelha em brasa, ela é colocada sobre minha face. Urro de dor, dessa vez minha voz é clara e forte. Espantada, a minha maldita irmã, se afasta da mesa, mas a voz do velho faz com que ela volte a seu trabalho:
- Não pare idiota! Ele está se tornando um ghoull por completo! Ande com isso puta!
Um parafuso é tomado pelo jovem, ela fere sua mão com a ponta e o encaixa em um orifício na placa de metal que colocou em minha face há poucos instantes. Ela o empurra contra minha carne. Novo urro, mas dessa vez meu corpo se meche. Com medo nos olhos, Cassandra vocifera:
- Pelo pacto há muito firmado. Pelo bode com mil infantes. Eu te condeno aos grilhões!
O parafuso começa a girar velozmente em minha carne, entrando cada vez mais profundamente, sangue podre espirra da ferida graças ao rápido movimento. Urro novamente, a dor é angustiante. Ela tira meus sentidos. Novamente a escuridão toma meus olhos.
Não sei quanto tempo se passou. Quando a visão retorna, quando tomo a consciência novamente, meu avô está jogado no chão. Sangue escorre de sua boca. Ele ri. Um riso mau. Cassandra está encolhida em um canto da sala, segura em sua mão o pedaço de papel, a chama azul ainda se faz presente. Ela me olha com uma expressão de puro pavor. O velho então vocifera:
- Fale maldita! Termina teu papel!
Ainda cheia de pavor, a jovem grita em um tom de voz quase histérico:
- Eu te condeno aos grilhões!
Nova dor. Lancinante. Caio ao solo, sentido o parafuso se cravar cada vez mais em minha carne. Minha cabeça é quase esmagada pela peça de metal. Ela parece se fechar como uma noz. Não consigo abrir minha boca, o queixo está travado pela peça de metal. Não consigo enxergar, a visão está tampada pela peça. Não ouço, os ouvidos parecem terem ficado inúteis. Debato-me no chão de dor e frustração. Tento arrancar a peça. Então, de repente, a dor para. Sinto o metal se mover, a parte que tapava meus olhos e inibia minha audição se abrem. Vejo Cassandra e meu avô, em pé na minha frente. Os dois sorriem, parecem satisfeitos. A jovem se aproxima de mim e rente a minha orelha diz:
- Agora sweetie... Tu és realmente o Guardião da Cova... Tu és realmente todo meu...
O velho então vocifera:
- Não, seu. Nosso. Para tudo fazer.
Novamente o metal se fecha. Sinto-me dentro de uma cova profunda. Tudo some. Só o terror e a escuridão permanecem.

Guardião

CAPÍTULO V – MORTE EM VIDA
A luz volta aos meus olhos. Vejo-me deitado em uma grande mesa, semelhante aquelas que usam em matadouros e açougues. O lugar onde ela se encontra é escuro, úmido, frio e bolorento. Uma camada de pó recobre todos os móveis que estão espalhados pela sala. Móveis carcomidos e muito antigos.
Sinto medo. Tento me levantar, mas meu corpo não tem força. Sem entender como fui parar ali, tento recordar os fatos passados. Então me lembro...
Da criatura. A luta. A felicidade. E do tiro em meu peito. Olho para ele receoso e um terror absoluto me invade. Há um enorme buraco lá, meus órgãos internos estão completamente destroçados, sangue coagulado se espalha por minhas vestes e pele.
Apavorado começo a gritar, mas apenas um som gorgolejante e rouco se faz.
Uma porta se abre à distância, e sons de passos ficam cada vez mais próximos. A porta da sala se abre com força, uma figura velha e diminuta entra, meu avô. Logo atrás dele se encontra uma pessoa que não conheço. Uma jovem, de olhos grandes, extremamente sedutores, de pele branca, cabelos negros, curtos e brilhantes, suas vestes são exóticas, se parecem com a de uma boneca vitoriana. Vi algumas meninas usando roupas semelhantes em um evento de anime. Vários pingentes e correntes cobrem seus braços, no pescoço um pingente em forma de dragão brilha de forma sinistra. Meu avô olha para a jovem e vocifera:
- Viu estúpida?! Por causa do seu atraso tive que estragar o corpo de meu neto e ele já não era lá grande coisa. Esse gordo de merda!
Meu avô me golpeia na cabeça, estranhamente não sinto nada.
A moça se aproxima de mim, me olha profundamente nos olhos, sinto que está olhando dentro de minha cabeça, olhando em minha alma. Ela segura minha bochecha, fazendo com que a boca se abra. Ela coloca seus dedos em minha boca como se estivesse tentando retirar algo, nesse mesmo momento começa a entoar uma espécie de cântico, sua voz é profunda, melodiosa, uma mistura entre doce e cruel. Sinto-me encantado:
-E “Deus” soprou a vida no barro, assim diz o livro do Falso...
Meu avô com uma voz límpida, que parece não ser sua responde:
-Pois o Falso agora reina sobre as ovelhas cegas...
A voz da jovem se altera, agora parece bestial, como se uma besta selvagem fosse capaz de falar:
-Diante de tal ofensa, lhe pedimos, Bode com Mil Infantes, que por covardia, foi legado às trevas do coração das vis ovelhas cegas, pelo ardil do Falso! Dá-me o poder de dominar o teu sopro! Permita que domine e guarde a sombra deste teu novo servo!...
Os olhos da jovem mudam de cor, ela sorri de forma louca, sangue escorre de seus lábios, seus dentes parecem presas. Uma forte dor domina meu corpo, minha cabeça parece prestes a explodir. Tento me mover, gritar, mas meu corpo não responde. Vendo meu esforço vão, a jovem gargalha insandecidamente. Baba e sangue espumante escorrem de sua boca. A atmosfera do lugar parece se tornar tangível, o ambiente toma a textura de uma grande massa de água, tudo fica turvo. Pequenos objetos parecem flutuar. Como se imersos, os cabelos da jovem parecem que tomam vida serpenteando:
-Dá-me tua sombra, Guardião da Cova do Falso!...
Ela retira a mão de minha boca, algo como uma diminuta sombra, está presa entre seus dedos. A sombra grita loucamente, sua voz clama por mim. Horror, puro horror, a cena toda me leva à beira do abismo. Sinto que enlouqueço.
A sombra é aproximada do pingente em forma de dragão, ele toma vida e ataca a sombra. O dragão a devora enquanto a sombra grita por mim, como uma criança gritaria por ajuda de seus pais. Choro, pelo menos acho que estou chorando, mas não sinto as lágrimas. A sala toma seu antigo aspecto, tudo fica silencioso. Ouço meu avô rindo, um riso de satisfação.
A jovem limpa sua face com um lenço magnificamente delicado e cheio de padrões complexos de renda. Ao terminar ela o esconde em sua manga esquerda, seu rosto se aproxima do meu, quase o tocando, seus olhos fitam novamente os meus de maneira profunda, então ela diz:
-Meu nome é Cassandra. E agora my sweetye... Tu és meu.
Ela me beija de forma lasciva e demorada.
Uma enorme tristeza me invade.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

GUARDIÃO


CÁPITULO IV – MORTE

Dentes rasgam minha carne.
A criatura cai sobre mim, mordendo meu ombro, dilacerando pele e carne, raspando meus ossos.
Desesperado ataco da mesma forma. Como um animal, mordo o pescoço da besta. Sinto meus dentes rasgarem a pele, a carne pulsante, o calor do sangue, seu gosto férreo. Estranhamente, sinto um enorme prazer. A dor do meu ferimento parece sumir por instantes
Um grito inumano foge de meu atacante. Com um golpe forte em minha cabeça, a criatura escapa da minha mordida. Parte da carne de seu pescoço permanece em minha boca.
Não a cuspo.
Um impulso sinistro me faz mastigar e engolir com sofreguidão.
A dor cede lugar a uma grande euforia.
A criatura foge, tenta voltar para a floresta e sua densa névoa. Corro atrás dela, mas não consigo me aproximar. Mesmo ferida, ela é mais veloz.
Maldito corpo flácido. Malditas horas de RPG on-line.
Com toda força, lanço o machado na criatura. Ele voa girando e acerta as costas na linha da cintura. Um novo urro, gorgolejante e choroso, escapa da besta. Ela tomba após um movimento parecido com um rolamento, olhando para mim se arrasta. Desesperadamente se arrasta. Isso me excita.
Finalmente alcanço minha atacante. Seguro no cabo do machado e com toda minha força o puxo. Um forte jato de sangue é expelido pela ferida, criando uma nova névoa. Uma névoa rubra e quente.
A criatura se retorce urrando e babando. Com a parte cega do machado, golpeio as costelas, o corpo é jogado de lado. Ela fica de costas viradas para o chão, só aí percebo, se parece com uma criança.
Uma criança lívida como um cadáver, de lábios retraídos e enorme olhos opacos. Olhos cheios de medo.
Piso em seu pescoço, cheio de raiva, cheio de desdém, cheio de mim mesmo. Sei como é ser mais fraco, sempre fui mais fraco. E ver isso naquela coisa... Deu-me nojo. Nojo, por perceber que aquela expressão era igual a minha quando garoto.
Mas a criança-besta, não fica apenas sentido o peso de meus pés. Ela crava suas garras em minha perna. Não sinto dor, apenas a raiva cresce, se tornando em ódio.
Golpeio a cabeça do pequeno mostro com o machado.
Parte do crânio voa, junto de um novo jato de sangue e miolos. O espasmo da morte faz com que as garras se cravem ainda mais em minha carne. O cadáver fica preso em mim. Furioso, golpeio o corpo freneticamente, com mais força e ódio a cada golpe. Eu esquartejo o corpo, livrando minha perna. Ao fim, gargalho histericamente feliz... Doentiamente feliz.
Ouço passos vindos por trás de mim, eles vêm da direção da casa de minha família. Rapidamente me viro. Vejo meu avô, ele segura uma espingarda antiga, a mesma que deu cabo de meu pai. Sem aviso ele mira e atira.
O tiro me acerta em cheio. Vôo.
Tombo como um saco de batatas no chão.
A escuridão toma meus olhos.
Morro.

A MATITA

Esse post é dedicado a Samila Lages. Obrigado por seu apoio Sam... Em tudo.


A matita-perêra, matinta-perêra ou matita-pereira, é um mito que ocorre no norte e nordeste do Brasil.
A matita seria segundo a maioria das lendas, um espírito/demônio/bruxa, que durante a noite atormenta a vida dos caboclos da floresta. Na maioria das descrições, a matita é vista como uma mulher muito idosa, esquelética, de cabelos longos e desgrenhados, dentes podres, que se veste em andrajos, geralmente de cor preta, que lhe cobre a maior parte do corpo, ocultando, inclusive sua face.
Vários poderes sobrenaturais são atribuídos a matita: levitação, força, velocidade e vigor sobre-humanos, clarividência, metamorfose (a matita seria capaz de se transformar em cão do mato, cobra, lobo e na sua mais conhecida e difundida forma animal, a de coruja branca, conhecida como Rasga-Mortalha), maldições e feitiços sonoros.
A matita, dependendo da região, assume o papel de espírito maligno, que perambula pela mata, atrás de vítimas incautas para se alimentar; de bruxa que se vinga dos tormentos que os caboclos lhe aprontam ou de uma espécie de espírito vingador da floresta.
Segundo consta, a matita, não ataca sem motivo o caboclo, ela apenas se vinga, seja de maus tratos contra sua identidade humana, de danos à mata ou da vida desregrada de uma pessoa tida como um “mal cristão”. No primeiro exemplo, assume o papel da clássica bruxa medieval, uma mulher idosa e solitária que sofre pressões sociais (ou como tão em voga bulling) da comunidade em que vive; já na segunda, assume o papel de outra lenda brasileira, o curupira, um vingador da fauna e flora e por fim, de banshee, o espírito funesto que prediz e em alguns casos causa a morte no folclore céltico.
São variadas as formas, que segundo a tradição, a matita usa para infernizar a vida dos que cruzam seu caminho, seja brincando de gato e rato durante algum infeliz encontro com o caboclo que tarde da noite se aventura na mata, seja matando as criações, amaldiçoando a criança mais nova da casa com uma doença ou com a morte um ente da família.
De maneira geral, ela tortura psicologicamente sua vítima.
Suas práticas são, na maioria dos casos, permeadas de maldade quase pueril, pois age de maneira sádica como uma criança má. Seguem abaixo alguns exemplos:
Ao perseguir o caboclo na mata, a matita assobia, lhe enganando, pois quando o som aparenta estar próximo, na verdade, ela se encontra distante, no entanto, quando o som se faz distante, ela já esta na eminência de por suas mãos na vítima, que nunca mais é vista.
Mata as criações do caboclo, para que este tenha sua vida, geralmente muito sofrida e trabalhosa, dificultada ao máximo. Afasta ainda, a caça e a pesca. Faz isso apenas aos caboclos que destroem a mata sem necessidade ou caçam e pescam mais do que precisam.
Causa enfermidades a crianças pequenas, quando invade as casas no meio da noite para se vingar dos pais, que sendo “maus cristãos”, não as batizam.
Roga ou prediz a morte, quando em forma de coruja branca, conhecida como rasga mortalha, pia tarde da noite, sobre a casa de um enfermo.
Apesar de ser temida por seu poder sobrenatural, existem meios de se proteger ou postergar a vontade insidiosa da matita. Tais como:
Existiria um meio de se saber a identidade da matita, quando o caboclo ouve seu piar na noite,deve dizer em voz alta que pela manhã oferecerá café e fumo (cigarro, tabaco, fumo de corda). Na manhã seguinte, a primeira mulher que viesse cobrar o prometido, seria a matita. O caboclo deve negar o prometido, caso contrário, a matita voltará.
Para se proteger a criança da sanha maléfica da matita (ou sua sanha pela observância dos preceitos cristãos) deve-se colocar uma cruz no quarto da criança acima de seu berço, no caso do caboclinho, a rede, e se acender uma vela que deve durar toda a noite acessa.
Há uma forma de se prender a matita, para tanto, são necessários alguns objetos:
.Uma tesoura de ferro virgem.
.Um crucifixo.
.Uma chave de ferro.
Para prendê-la, ao se ouvir o piar da matita, se enterra a tesoura aberta no chão, colocando sobre a mesma, o crucifixo e a chave. Dessa forma ela fica presa ao local, até que os objetos sejam retirados do lugar.
A matita, segundo a tradição cabocla é uma criatura que tem um ciclo de vida semelhante ao humano. Quando próxima da morte, ela sai pela mata gritando: - Quem quer? A incauta que caso responda, se torna uma matita continuando assim o mal e causando o medo.
No norte e nordeste, há vários relatos da ação da matita, contados por pessoas do interior a meia voz, que mesmo agora, na dita era da informação, mantêm o mito da matita vivo. Graças ao seu horror.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

GUARDIÃO


Cápitulo novo... Comentem... Please...


CÁPITULO III – AVÔ

Acordo sobre a mesa. Estou nu.
Vejo-me dentro da cozinha da velha casa de minha família. Minhas roupas estão jogadas no chão, se parecem mais com panos de chão do que com roupas.
Sento-me na mesa. Confuso olho ao redor. O fogão está acesso. Uma chaleira chia sobre o fogo, liberando um cheiro doce. Chá de canela.
Nada parece diferente da minha infância, exceto por minha família, que há muito se foi.
Absorto em minhas memórias, não percebo a figura que se aproxima de mim. Um velho, carrancudo, baixo, de olhos cruéis e sorriso malicioso. Surpreso, encaro meu avô. Deixo escapar um gemido de assombro. Um sorriso mau se faz no rosto do velho:
- Mas vejam só. O meu netinho está crescido e bem... Bem mole e inútil!
Encolho-me de vergonha. Meus olhos procuram o chão. O velho enche uma caneca com o chá quente e a estende em minha direção:
- Bebe isso. Irá ajudar a fechar as tuas feridas.
A caneca queima minhas mãos, o líquido fere minha garganta. Mas tomo tudo, até o último gole.
Pergunto onde está minha mochila a meu avô, peço a ele que me mostre onde posso me trocar. Sinto frio.
Novamente um sorriso mau se faz na face má e velha:
- Mochila? Tu apenas trouxeste esses trapos aí do chão, contigo. Mais nada.
Estranho a falta da mochila, mas não insisto. Pergunto se há alguma roupa que eu possa vestir. Os dentes velhos e podres bailam em novo sorriso. Uma gargalhada sinistra e cruel escapa dos lábios finos e ressequidos. Encolho-me novamente. Como uma criança, eu permaneço sentado sobre a mesa. Meus olhos sempre procurando o chão:
- Não tenho roupas para baleias aqui comigo, meu netinho. Mas podemos dar um jeito. Há sempre uma saca de farinha ou batatas jogada por um canto. Não é mesmo?
O velho sai da cozinha por uma porta lateral. Ele volta com alguns sacos de farinha de trigo. Abre uma gaveta do armário de pratos e retira de lá, uma tesoura, barbante e uma agulha grande e grossa.
Atônito ante a situação vejo meu avô, abrir três buracos em uma saca, tal qual uma camiseta. Ele corta outra saca e a costura como uma calça.
Todo o processo não leva mais que meia hora. Ao final, ele me joga no rosto, a roupa tosca que costurou:
- Veste.
Visto a calça e a camiseta, o tecido grosso, arranha minha pele já muito ferida pela corrida da última noite. Não entendo por que obedeço meu avô com tanta presteza. Algo em sua voz, profunda, cruel e rouca, parece me dominar. Cheio de vergonha de mim mesmo, me vejo com medo de um velho.
Guardando tudo novamente na gaveta, meu avô olha pela janela, seus olhos ficam sombrios:
- Você atraiu muita atenção, rapaz. A fogueira terá que ser bem grande esta noite.
O velho vai até um canto da cozinha e pega um machado velho. O cabo é de uma madeira escura, polida pelas mãos de vários homens de minha família, a lâmina é grande e pesada, negra como carvão. Parece ser bem pesado, mas o velho o joga sobre mim com facilidade. Espantado eu o agarro no ar:
- Vá até lá atrás e busque lenha. Empilhe tudo na frente da casa. Faça isso antes de anoitecer.
Digo que me sinto mal, cheio de dores, que gostaria de descansar. Meu avô me olha de forma ameaçadora, anda até minha direção e entre dentes vocifera:
- Faz o que te mando filho da puta gordo! Anda que já é tarde, só temos três horas de luz.
Com ódio de mim mesmo, obedeço ao velho, o mesmo que durante o acesso de loucura de meu pai, não estava lá para nos ajudar. Que não quis minha tutela quando criança, que nunca me procurou para nada, que me deixou só no mundo.
Vou até o quintal, um lugar mais parecido com uma madeireira abandonada. Pilhas de madeira velha o bolorenta se espalham até encontrarem a floresta.
Escolho um monte de toras e começo o trabalho.
Cada golpe do machado faz com que meu corpo doa e arda. Cada golpe é cheio de raiva e mágoa. Cada lasca que voa contra meu rosto, faz com que eu tenha mais raiva de mim.
Afinal, por que decidi aceitar vir para cá? Por que fui ler aquela maldita carta? Por que estou neste momento fazendo o que aquele velho maldito quer?
Com esses pensamentos povoando minha cabeça, golpeio a madeira com mais e mais força.
Após uma hora, termino de cortar a madeira. Fico banhado em suor. Sinto dores horríveis.
Carrego a madeira até o pátio da frente.
Termino a tarefa com a noite começando. A névoa parece ficar mais densa na floresta.
Uma sensação ruim toma conta de mim. Caminho até o quintal para buscar o machado.
Ao chegar ao quintal, vejo algo vindo da floresta. Um vulto baixo, da altura de uma criança.
Um medo infantil me domina. Corro até o machado.
A coisa dispara em minha direção. Vejo olhos brilhantes se aproximando.
Agarro o machado e por puro terror, golpeio.
Acerto apenas o ar.
A coisa salta por sobre o golpe, caindo sobre meu corpo.
O terror me domina.