segunda-feira, 15 de agosto de 2011

GUARDIÃO


CÁPITULO IV – MORTE

Dentes rasgam minha carne.
A criatura cai sobre mim, mordendo meu ombro, dilacerando pele e carne, raspando meus ossos.
Desesperado ataco da mesma forma. Como um animal, mordo o pescoço da besta. Sinto meus dentes rasgarem a pele, a carne pulsante, o calor do sangue, seu gosto férreo. Estranhamente, sinto um enorme prazer. A dor do meu ferimento parece sumir por instantes
Um grito inumano foge de meu atacante. Com um golpe forte em minha cabeça, a criatura escapa da minha mordida. Parte da carne de seu pescoço permanece em minha boca.
Não a cuspo.
Um impulso sinistro me faz mastigar e engolir com sofreguidão.
A dor cede lugar a uma grande euforia.
A criatura foge, tenta voltar para a floresta e sua densa névoa. Corro atrás dela, mas não consigo me aproximar. Mesmo ferida, ela é mais veloz.
Maldito corpo flácido. Malditas horas de RPG on-line.
Com toda força, lanço o machado na criatura. Ele voa girando e acerta as costas na linha da cintura. Um novo urro, gorgolejante e choroso, escapa da besta. Ela tomba após um movimento parecido com um rolamento, olhando para mim se arrasta. Desesperadamente se arrasta. Isso me excita.
Finalmente alcanço minha atacante. Seguro no cabo do machado e com toda minha força o puxo. Um forte jato de sangue é expelido pela ferida, criando uma nova névoa. Uma névoa rubra e quente.
A criatura se retorce urrando e babando. Com a parte cega do machado, golpeio as costelas, o corpo é jogado de lado. Ela fica de costas viradas para o chão, só aí percebo, se parece com uma criança.
Uma criança lívida como um cadáver, de lábios retraídos e enorme olhos opacos. Olhos cheios de medo.
Piso em seu pescoço, cheio de raiva, cheio de desdém, cheio de mim mesmo. Sei como é ser mais fraco, sempre fui mais fraco. E ver isso naquela coisa... Deu-me nojo. Nojo, por perceber que aquela expressão era igual a minha quando garoto.
Mas a criança-besta, não fica apenas sentido o peso de meus pés. Ela crava suas garras em minha perna. Não sinto dor, apenas a raiva cresce, se tornando em ódio.
Golpeio a cabeça do pequeno mostro com o machado.
Parte do crânio voa, junto de um novo jato de sangue e miolos. O espasmo da morte faz com que as garras se cravem ainda mais em minha carne. O cadáver fica preso em mim. Furioso, golpeio o corpo freneticamente, com mais força e ódio a cada golpe. Eu esquartejo o corpo, livrando minha perna. Ao fim, gargalho histericamente feliz... Doentiamente feliz.
Ouço passos vindos por trás de mim, eles vêm da direção da casa de minha família. Rapidamente me viro. Vejo meu avô, ele segura uma espingarda antiga, a mesma que deu cabo de meu pai. Sem aviso ele mira e atira.
O tiro me acerta em cheio. Vôo.
Tombo como um saco de batatas no chão.
A escuridão toma meus olhos.
Morro.

A MATITA

Esse post é dedicado a Samila Lages. Obrigado por seu apoio Sam... Em tudo.


A matita-perêra, matinta-perêra ou matita-pereira, é um mito que ocorre no norte e nordeste do Brasil.
A matita seria segundo a maioria das lendas, um espírito/demônio/bruxa, que durante a noite atormenta a vida dos caboclos da floresta. Na maioria das descrições, a matita é vista como uma mulher muito idosa, esquelética, de cabelos longos e desgrenhados, dentes podres, que se veste em andrajos, geralmente de cor preta, que lhe cobre a maior parte do corpo, ocultando, inclusive sua face.
Vários poderes sobrenaturais são atribuídos a matita: levitação, força, velocidade e vigor sobre-humanos, clarividência, metamorfose (a matita seria capaz de se transformar em cão do mato, cobra, lobo e na sua mais conhecida e difundida forma animal, a de coruja branca, conhecida como Rasga-Mortalha), maldições e feitiços sonoros.
A matita, dependendo da região, assume o papel de espírito maligno, que perambula pela mata, atrás de vítimas incautas para se alimentar; de bruxa que se vinga dos tormentos que os caboclos lhe aprontam ou de uma espécie de espírito vingador da floresta.
Segundo consta, a matita, não ataca sem motivo o caboclo, ela apenas se vinga, seja de maus tratos contra sua identidade humana, de danos à mata ou da vida desregrada de uma pessoa tida como um “mal cristão”. No primeiro exemplo, assume o papel da clássica bruxa medieval, uma mulher idosa e solitária que sofre pressões sociais (ou como tão em voga bulling) da comunidade em que vive; já na segunda, assume o papel de outra lenda brasileira, o curupira, um vingador da fauna e flora e por fim, de banshee, o espírito funesto que prediz e em alguns casos causa a morte no folclore céltico.
São variadas as formas, que segundo a tradição, a matita usa para infernizar a vida dos que cruzam seu caminho, seja brincando de gato e rato durante algum infeliz encontro com o caboclo que tarde da noite se aventura na mata, seja matando as criações, amaldiçoando a criança mais nova da casa com uma doença ou com a morte um ente da família.
De maneira geral, ela tortura psicologicamente sua vítima.
Suas práticas são, na maioria dos casos, permeadas de maldade quase pueril, pois age de maneira sádica como uma criança má. Seguem abaixo alguns exemplos:
Ao perseguir o caboclo na mata, a matita assobia, lhe enganando, pois quando o som aparenta estar próximo, na verdade, ela se encontra distante, no entanto, quando o som se faz distante, ela já esta na eminência de por suas mãos na vítima, que nunca mais é vista.
Mata as criações do caboclo, para que este tenha sua vida, geralmente muito sofrida e trabalhosa, dificultada ao máximo. Afasta ainda, a caça e a pesca. Faz isso apenas aos caboclos que destroem a mata sem necessidade ou caçam e pescam mais do que precisam.
Causa enfermidades a crianças pequenas, quando invade as casas no meio da noite para se vingar dos pais, que sendo “maus cristãos”, não as batizam.
Roga ou prediz a morte, quando em forma de coruja branca, conhecida como rasga mortalha, pia tarde da noite, sobre a casa de um enfermo.
Apesar de ser temida por seu poder sobrenatural, existem meios de se proteger ou postergar a vontade insidiosa da matita. Tais como:
Existiria um meio de se saber a identidade da matita, quando o caboclo ouve seu piar na noite,deve dizer em voz alta que pela manhã oferecerá café e fumo (cigarro, tabaco, fumo de corda). Na manhã seguinte, a primeira mulher que viesse cobrar o prometido, seria a matita. O caboclo deve negar o prometido, caso contrário, a matita voltará.
Para se proteger a criança da sanha maléfica da matita (ou sua sanha pela observância dos preceitos cristãos) deve-se colocar uma cruz no quarto da criança acima de seu berço, no caso do caboclinho, a rede, e se acender uma vela que deve durar toda a noite acessa.
Há uma forma de se prender a matita, para tanto, são necessários alguns objetos:
.Uma tesoura de ferro virgem.
.Um crucifixo.
.Uma chave de ferro.
Para prendê-la, ao se ouvir o piar da matita, se enterra a tesoura aberta no chão, colocando sobre a mesma, o crucifixo e a chave. Dessa forma ela fica presa ao local, até que os objetos sejam retirados do lugar.
A matita, segundo a tradição cabocla é uma criatura que tem um ciclo de vida semelhante ao humano. Quando próxima da morte, ela sai pela mata gritando: - Quem quer? A incauta que caso responda, se torna uma matita continuando assim o mal e causando o medo.
No norte e nordeste, há vários relatos da ação da matita, contados por pessoas do interior a meia voz, que mesmo agora, na dita era da informação, mantêm o mito da matita vivo. Graças ao seu horror.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

GUARDIÃO


Cápitulo novo... Comentem... Please...


CÁPITULO III – AVÔ

Acordo sobre a mesa. Estou nu.
Vejo-me dentro da cozinha da velha casa de minha família. Minhas roupas estão jogadas no chão, se parecem mais com panos de chão do que com roupas.
Sento-me na mesa. Confuso olho ao redor. O fogão está acesso. Uma chaleira chia sobre o fogo, liberando um cheiro doce. Chá de canela.
Nada parece diferente da minha infância, exceto por minha família, que há muito se foi.
Absorto em minhas memórias, não percebo a figura que se aproxima de mim. Um velho, carrancudo, baixo, de olhos cruéis e sorriso malicioso. Surpreso, encaro meu avô. Deixo escapar um gemido de assombro. Um sorriso mau se faz no rosto do velho:
- Mas vejam só. O meu netinho está crescido e bem... Bem mole e inútil!
Encolho-me de vergonha. Meus olhos procuram o chão. O velho enche uma caneca com o chá quente e a estende em minha direção:
- Bebe isso. Irá ajudar a fechar as tuas feridas.
A caneca queima minhas mãos, o líquido fere minha garganta. Mas tomo tudo, até o último gole.
Pergunto onde está minha mochila a meu avô, peço a ele que me mostre onde posso me trocar. Sinto frio.
Novamente um sorriso mau se faz na face má e velha:
- Mochila? Tu apenas trouxeste esses trapos aí do chão, contigo. Mais nada.
Estranho a falta da mochila, mas não insisto. Pergunto se há alguma roupa que eu possa vestir. Os dentes velhos e podres bailam em novo sorriso. Uma gargalhada sinistra e cruel escapa dos lábios finos e ressequidos. Encolho-me novamente. Como uma criança, eu permaneço sentado sobre a mesa. Meus olhos sempre procurando o chão:
- Não tenho roupas para baleias aqui comigo, meu netinho. Mas podemos dar um jeito. Há sempre uma saca de farinha ou batatas jogada por um canto. Não é mesmo?
O velho sai da cozinha por uma porta lateral. Ele volta com alguns sacos de farinha de trigo. Abre uma gaveta do armário de pratos e retira de lá, uma tesoura, barbante e uma agulha grande e grossa.
Atônito ante a situação vejo meu avô, abrir três buracos em uma saca, tal qual uma camiseta. Ele corta outra saca e a costura como uma calça.
Todo o processo não leva mais que meia hora. Ao final, ele me joga no rosto, a roupa tosca que costurou:
- Veste.
Visto a calça e a camiseta, o tecido grosso, arranha minha pele já muito ferida pela corrida da última noite. Não entendo por que obedeço meu avô com tanta presteza. Algo em sua voz, profunda, cruel e rouca, parece me dominar. Cheio de vergonha de mim mesmo, me vejo com medo de um velho.
Guardando tudo novamente na gaveta, meu avô olha pela janela, seus olhos ficam sombrios:
- Você atraiu muita atenção, rapaz. A fogueira terá que ser bem grande esta noite.
O velho vai até um canto da cozinha e pega um machado velho. O cabo é de uma madeira escura, polida pelas mãos de vários homens de minha família, a lâmina é grande e pesada, negra como carvão. Parece ser bem pesado, mas o velho o joga sobre mim com facilidade. Espantado eu o agarro no ar:
- Vá até lá atrás e busque lenha. Empilhe tudo na frente da casa. Faça isso antes de anoitecer.
Digo que me sinto mal, cheio de dores, que gostaria de descansar. Meu avô me olha de forma ameaçadora, anda até minha direção e entre dentes vocifera:
- Faz o que te mando filho da puta gordo! Anda que já é tarde, só temos três horas de luz.
Com ódio de mim mesmo, obedeço ao velho, o mesmo que durante o acesso de loucura de meu pai, não estava lá para nos ajudar. Que não quis minha tutela quando criança, que nunca me procurou para nada, que me deixou só no mundo.
Vou até o quintal, um lugar mais parecido com uma madeireira abandonada. Pilhas de madeira velha o bolorenta se espalham até encontrarem a floresta.
Escolho um monte de toras e começo o trabalho.
Cada golpe do machado faz com que meu corpo doa e arda. Cada golpe é cheio de raiva e mágoa. Cada lasca que voa contra meu rosto, faz com que eu tenha mais raiva de mim.
Afinal, por que decidi aceitar vir para cá? Por que fui ler aquela maldita carta? Por que estou neste momento fazendo o que aquele velho maldito quer?
Com esses pensamentos povoando minha cabeça, golpeio a madeira com mais e mais força.
Após uma hora, termino de cortar a madeira. Fico banhado em suor. Sinto dores horríveis.
Carrego a madeira até o pátio da frente.
Termino a tarefa com a noite começando. A névoa parece ficar mais densa na floresta.
Uma sensação ruim toma conta de mim. Caminho até o quintal para buscar o machado.
Ao chegar ao quintal, vejo algo vindo da floresta. Um vulto baixo, da altura de uma criança.
Um medo infantil me domina. Corro até o machado.
A coisa dispara em minha direção. Vejo olhos brilhantes se aproximando.
Agarro o machado e por puro terror, golpeio.
Acerto apenas o ar.
A coisa salta por sobre o golpe, caindo sobre meu corpo.
O terror me domina.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

GUARDIÃO


Segundo cápitulo... Por favor comentem...

CÁPITULO II – A TRILHA

A trilha é incerta e difícil.
A névoa, densa e fria, se agarra as minhas roupas, enregelando meu corpo.
Tropeço nas raízes a todo o momento. Caio a cada dez passos. Minhas mãos e joelhos estão feridos, o cascalho corta minha carne a cada queda.
A floresta é antiga, cheia de musgo, escura. Não há vento ou barulho de animais. Tudo me oprime. Um medo infantil, quase que primal, toma conta de mim. Tento correr, o que só me faz cair, mais e mais.
Exausto, sento. A névoa fica mais densa, a escuridão começa a dominar a tudo. A noite cai.
Meu coração parece estar prestes a explodir. O pavor me domina. Corro, caio, rastejo. Arfando como um animal, me jogo a cada instante, mais profundamente no coração da floresta.
A cada metro a escuridão se torna mais forte, mais tangível, realmente palpável, como algo vivo. Algo mau.
Bato em um galho, tombo como uma fruta podre. Arfando sinto o sangue escorrendo em minha face. O medo por um instante se dissipa. Estranhamente me sinto tranqüilo, é quando escuto...
Galhos partindo na escuridão, o som de passos. Passos de várias pessoas. Pessoas? Ninguém mora aqui.
O medo dá novas forças ao meu corpo flácido. Novamente corro pela trilha.
Espumo ante a terrível estafa, mas não paro, o som de passos é cada vez mais próximo. Vejo lumes ao meu redor, parecem olhos brilhando na escuridão, como gatos na noite.
Novamente tropeço. Caio, rolando sobre meu corpo, sinto meus ossos arderem, devo ter quebrado algo, mas não paro, me arrasto como um animal. O horror me domina.
Corro. A cada passada os lumes estão mais próximos, o som mais vivo.
Vejo silhuetas se destacando na escuridão, cada vez mais perto, mais, mais, cada vez mais.
Já a beira da total exaustão, uma luz se faz na distância, uma forte fogueira. Mas quem a acendeu?
Continuo correndo, somente o medo me impele.
Tombo de peito em um pátio de pedras. Uma enorme fogueira arde em seu centro, atrás, a casa de minha família. A porta da frente se abre, alguém se aproxima.
Exausto e completamente sem vontade, a escuridão toma meus olhos. Desmaio.
Mais nada importa.